Como a maioria das crianças, eu sempre fui muito criativa e imaginativa. E antes mesmo de aprender a ler, eu folheava os livros imaginando o que deveria estar escrito. Logo que aprendi a ler e escrever, aos 5 anos de idade, passei a usar a palavra como ferramenta de expressão. A linguagem era minha forma de representar e experienciar a realidade a partir do meu olhar, o contexto familiar, os personagens da rua e o ambiente. Escrevia diariamente como forma de perceber o que via em um exercício cotidiano de compreensão dos outros e de mim mesma.   Eu era aquela criança que estava sempre com um caderninho na mão e um livro na outra. Conhece esse tipo? Talvez hoje, depois da popularização dos smartphones e laptops, seja um tipo raro.

Mas naquela época, existia uma vida na rua, no bairro, nas calçadas que enriquecia de imagens e percepções as janelas dos olhos. Aos 10 anos fundei a OPA (Organização Punho de Aço), um clubinho composto por crianças de 8 a 12 anos que tinha como missão, resolver os problemas da rua. E que “grandes problemas” ocupavam nossas mentes! Uma injustiça cometida, como uma bola rasgada por um vizinho rabugento ou mesmo um castigo julgado pelo Conselho da OPA como não merecido, era motivo para entrarmos em ação. A nossa pauta continha os assuntos mais diversos, mas sempre com um propósito: resolver conflitos e zelar pela paz mundial da rua. Essa história, que parece comum a muitas infâncias, tem uma narrativa carregada de sentimentos de identidade, propósito e coletividade. Às vezes, vamos vivendo os dias com tanto automatismo, como se não fôssemos o personagem principal do livro da nossa existência, ator principal e diretor de cada cena.  Encerramos a infância, período de liberdade, diversão e aventuras para nos tornarmos adultos responsáveis, encarar um papel social ditado ou escolhido, sem perceber que a melhor parte dos nossos sonhos, ideias e projetos nasceram nessa época.

O que você dizia para si mesmo quando era criança? O que sonhava em ser e fazer? Que diferença pensou em fazer no mundo?  Talvez muitas dessas expectativas, sonhos e até funções que você imaginava exercer não tenham se concretizado no decorrer de sua trajetória. De alguma forma, naquele momento, começou a construção da melhor parte de nossa identidade, a construção da nossa verdadeira essência.

Toda criança acredita ser capaz de mudar o mundo. Infelizmente, os adultos na tentativa de protegê-las e até prepará-las para o mundo, podam a sua naturalidade e a expressão de sua verdadeira identidade. Passam a cobrar a iniciação em um mundo real, como se existisse um mundo real que não aquele que construímos com a nossa maneira de conhecer, perceber e interpretar os sonhos, desejos e aspirações, nossos e dos outros.

Minha entrada a esse tal mundo real, iniciei aos 18 anos estagiando em uma grande e premiada agência de publicidade e propaganda (não sei se a maioria das pessoas consideraria aquele ambiente como parte do mundo real). Uma equipe de pessoas criativas, disruptivas, divertidas, muitas vezes até estranhas, com um dicionário próprio, repleto de palavras diferentes e estrangeiras, que trabalhavam com o objetivo de transformar simples produtos em marcas valorizadas.

Eu trabalhava em uma empresa que vendia ideias. Meu primeiro Job, como chamam os trabalhos, foi a campanha de um banco. Imaginem o meu conhecimento na época sobre operação, produtos e serviços bancários? Zero! Nem tinha a obrigação de saber. Como disse honestamente ao dono da agência:  Não sei nada sobre publicidade e propaganda. Mas sou criativa, determinada e amo aprender. Então, se você me ensinar, vou ser boa nisso. Ganhei meu primeiro estágio sem nenhuma experiência por saber exatamente o que eu queria. Ou melhor, de alguma forma, eu sabia o que gostaria de continuar sendo.

Criar a primeira campanha publicitária foi uma das experiências mais difíceis da minha vida. Como eu ainda não tinha técnica, nem conhecimento de mercado, se duvidar não tinha nem conta bancária, resolvi encarar a criação dos roteiros de filmes para TV com a única coisa que sabia fazer: contar uma história. Mostrei o banco com características humanas como os personagens dos contos que escrevia. A campanha trazia clientes falando de uma instituição financeira como se fosse um amigo, um parceiro, alguém que transmitia familiaridade e segurança. Alguém que você pode contar. E o banco passou a ter uma personalidade – o que chamamos hoje de persona –, para gerar empatia e, consequentemente, conectividade.

Hoje, essa estratégia – chamada de storytelling – é amplamente usada com os mais diversos recursos. Em essência é contar uma boa história com personagens que se identificam com a vida, os desejos, as aspirações das pessoas que você quer atingir. Fazer isso 20 anos atrás foi bem ousado. Quando apresentei a campanha de um banco, o maior cliente da agência, com frases engraçadas, diálogos coloquiais, recebi olhares do tipo: o que essa criança pensa que está fazendo aqui? Minha sorte foi que o dono da agência, não sei se por gostar da ideia ou simplesmente querer ver aonde aquilo iria dar, enviou para uma produtora de audiovisual os roteiros. Em algumas semanas, recebemos os filmes quase prontos. Como a ideia parecia ser muito ousada para a época, a estratégia funcionou, e ao ver o resultado, a agência topou a campanha. O cliente amou a ideia, e assim começou a minha vida na publicidade.

Essa primeira inserção, mesmo sendo totalmente empírica, ajudou-me a compreender que, mesmo aos 18 anos, eu tinha recursos internos que poderiam ser utilizados para fazer algo diferente na comunicação: construir narrativas que não falassem apenas dos méritos dos produtos e serviços como era bastante comum na época.  Descobri que era possível, mesmo para instituições que pareciam ser frias e distantes, estabelecer uma conexão com as pessoas e fazer parte de suas vidas, oferecendo, mais do que produtos, soluções. Mais do que slogans vazios, conceitos que ressoassem verdadeiros, como se estivessem sendo ditos por qualquer cliente.

Depois da primeira agência, em que permaneci por quase 2 anos, trabalhei em mais cinco agências com clientes de todos os segmentos: de indústrias alimentícias a governos, de rede de supermercados ao mercado imobiliário, fui redatora, diretora de criação, diretora de planejamento, coordenadora de comunicação de campanhas, agências, empresas e instituições.

São mais de 20 anos dedicados ao estudo e principalmente, à aplicação dos princípios do marketing para nortear decisões de negócios, lançamentos e manutenção de produtos. E o mais importante: buscar diferenciais relevantes que possam ser percebidos e valorizados pelos clientes.